Comentários/opinião
Pelo que me lembro – e já comentei isso anteriormente – desde FHC tem havido um certo costume de autoridades brasileiras falarem à imprensa internacional de modo um tanto diferente do que se passa ou falam aqui. Creio que não seja esse o caso do ministro Antonio Patriota na matéria abaixo, em entrevista ao jornal espanhol El País. Ou seja, espero que o ministro siga os passos de seu antecessor, o ministro Celso Amorim. E, claro, honre seu sobrenome... Aliás, gostei das posições do ministro, apenas com um reparo, quando fala que temos falta de professores qualificados no Brasil. Só se for o caso de professores de línguas estrangeiras, cujas estatísticas eu desconheço.
A falta que há no Brasil não é de professores ou de outros profissionais qualificados, mas sim de salários dignos e adequados às funções e às competências dos profissionais brasileiros!!!
"Será difícil para os espanhóis entrarem no Brasil se exigirmos os mesmos requisitos"
El País, 06-02-2012
Por Francesc Relea – De Brasília
Tradução de Luiz Carlos Correa Soares
O Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Antonio Patriota, expressou uma "séria preocupação" de seu governo com as exigências para seus concidadãos entrarem na Espanha, o que chegou a classificar como "tratamento que poderia ser considerado arbitrário".
Em entrevista a EL País, o chefe da diplomacia brasileira assegura que tem tido que "responder a um grande número de queixas" de cidadãos de seu país e adverte em tom ameaçador: "se nós começássemos a exigir o mesmo para os espanhóis, haveriam sérias dificuldades para eles entrarem no Brasil". De acordo com o ministro, "situações arbitrárias afetam pessoas que têm documentação em dia e no aeroporto são levadas para salas em separado para investigação policial e outras coisas do mesmo tipo". E acrescenta: "por exemplo, as pessoas têm que demonstrar o limite de seu cartão de crédito, que estão na posse de um seguro de saúde, que têm reserva de hotel e que podem pagar a conta da estadia". Essas medidas são pré-requisitos para a entrada no espaço do Acordo de Schengen(1), do qual a Espanha faz parte.
Antonio Patriota, 57, graduou-se em Filosofia pela Universidade de Genebra, foi embaixador nos Estados Unidos e secretário geral de Relações Exteriores. Em um despacho no Palácio do Itamaraty, na esplanada dos ministérios em Brasília, salienta que os dois governos estão trabalhando "de uma forma construtiva para superar essas dificuldades que preocupam o Congresso Brasileiro", segundo suas palavras. "Tive de comparecer em duas ocasiões ante as Comissões de Relações Exteriores do Senado e da Câmara dos Deputados"
Pergunta. Seguindo com a política de imigração, o governo brasileiro decidiu conceder 1.200 vistos por ano para imigrantes haitianos, antes da onda dos cidadãos dessa nacionalidade que chegaram sem papéis.
Resposta. É uma decisão que visa combater a ação dos traficantes de migrantes. A nossa decisão tem o apoio das autoridades haitianas, que preferem o sistema brasileiro de uma janela adicional de 1.200 vistos permanentes sem necessidade de contrato de trabalho. Flexibilizamos nossa posição para combater os intermediadores que se aproveitam de setores mais vulneráveis.
P. Qual é a atitude do governo relativa à imigração de pessoas mais qualificadas que queiram vir para o Brasil?
R. Queremos facilitar a chegada ao Brasil de imigrantes de países como Portugal e Espanha de professores, por exemplo, porque nós temos uma demanda que não é atendida. Na medida em que portuguêses, espanhóis e outros europeus tenham interesse, haverá uma atitude para facilitar esse ingresso. Paralelamente, dentro do programa “Ciências sem Fronteiras”, existe uma seção de jovens cientistas para atrair cientistas de outros países.
P. A presidente Dilma Rousseff acaba de visitar Cuba, porém nessa viagem não abordou temas polêmicos, como a situação dos direitos humanos.
R. Nossa relação com Cuba está amadurecendo muito rápido em função de um maior conhecimento recíproco dos nossos dirigentes, com viagens mais frequentes de ministros e de representantes do setor privado. O Brasil está comprometido com o ambicioso projeto da infra-estrutura do porto de Mariel, iremos cooperar estreitamente na saúde e temos autorizada uma importante linha de crédito para desenvolver programas agrários. O momento atual da relação Brasil-Cuba está relacionado a essa cooperação. Isso não significa que não se possa falar de direitos humanos. Sim, se pode. Há muito movimento na sociedade cubana com vistas à atualização do modelo econômico, que abre caminho para novas experiências de gestão no país, e nós estamos muito interessados em compartilhar experiências de gestão.
P. Porém, não se falou de direitos humanos.
R. A presidente se concentrou no momento atual da cooperação entre Brasil e Cuba. Nada impede de falar. Poder-se-ia ter falado. Eu costumo dizer que também no Brasil há situações que têm que evoluir, como o baixo número de diplomatas de origem africana, quando mais de 50% da nossa população é afro-descendente. Em Cuba, onde a população de ascendência africana é comparativamente menor, há mais diplomatas nessa condição. É um dado a se levar em conta.
P. Como avalia o Brasil no processo de integração da América Latina, de que tanto se fala?
R. História se acelera nesta região do mundo. Não só porque aqui as coisas vão melhor e há muitos progressos em relação às décadas passadas. A partir do ano 2000, os países da América do Sul começaram a crescer, num clima democrático, com consciência ambiental, ao ponto de que alguns países são colocados como modelo de desenvolvimento sustentável. Ficaram para trás a tensão entre Colômbia e Venezuela, o incidente com o Equador, etc. Em todo este processo de integração a pedra angular é o Mercosul.
P. No plano político, dá a impressão de que a presidente Dilma Rousseff, de modo diferente de seu antecessor, Lula da Silva, tem alguma distância de líderes como o da Venezuela Hugo Chávez e Evo Morales, boliviano.
R. Creio que é uma percepção equivocada. A verdade é que há uma grande proximidade com o presidente Chávez. Falam-se com freqüência por telefone e o líder venezuelano em breve virá ao Brasil para uma reunião bilateral. Talvez sua percepção tem a ver com o fato do presidente Lula ter mudado o padrão das relações. Foi instaurada na região uma nova dinâmica, que talvez tenha paralelos na Europa, onde Angela Merkel chama Sarkozy e o convida para almoçar. O mesmo se aplica na América do Sul: os líderes comunicam-se permanentemente. Há uma visão política do mundo muito próxima entre líderes como Pepe Mujica, do Uruguai, Fernando Lugo, Cristina Kirchner, Dilma Rousseff… Todos eles procuram consolidar uma base de crescimento econômico com redução da desigualdade e a eliminação da pobreza.
P. Qual é a posição do Brasil em relação à crise na Síria?
R. Nós sempre defendemos as soluções diplomáticas, pela via do diálogo, procurando na medida do possível, um consenso que favoreça o progresso sem o recurso da força, que sempre deve ser a última opção. Isso só pode ser autorizado pelo Conselho de Segurança e tem que estar acompanhado por um elevado sentido de responsabilidade. Preocupa-nos muito a idéia de que uma intervenção militar para proteger a população civil se transforme, sem autorização do Conselho de Segurança, numa intervenção para alterar o regime de um país. Não devemos esquecer o caso do Iraque porque foi submetido a uma intervenção militar que gerou morte, instabilidade e destruição.
P. O Brasil teme uma intervenção unilateral contra o Irã?
R. Estou a favor do diálogo, em coordenação com os outros membros do Conselho de Segurança. Quando estávamos ali, buscamos caminhos que favoreceram a confiança. Todos os nossos esforços são direcionados para evitar ações precipitadas e unilaterais. Sempre repudiaremos qualquer ação fora do Direito Internacional e da Carta das Nações Unidas. A crise humanitária que se criou no Iraque com as sanções que foram aplicadas, afetou sobretudo os pobres e não a classe dominante. Todas estas questões devem ser levadas em conta quando se pensar na situação do Irã.
(1) Acordo de Schengen - É uma convenção, entre cerca de 30 países europeus, que define uma política de abertura de fronteiras e de livre circulação de pessoas entre os países signatários. (Nota do tradutor)
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