Comentários/opinião
As três matérias plotadas
a seguir foram publicadas pela Agência Pública e divulgadas pelo IHU
Notícias em 21-12-2012. Estou batizando o conjunto como a Trilogia do
Madeira, o qual serve para muitas reflexões que, evidentemente, não cabem
neste veículo de divulgação sintética das (des)conjunturas nacionais e do
mundo. Mas dá o que pensar.
Entre outras reflexões,
podemos colocar questões tais como: qual será, mesmo, o preço do progresso?
Quantas vidas por R$ milhão podem ser sacrificadas? Na mesma unidade, quantas meninas
devem ser prostituídas? Quantas famílias devem perder seu ganha-pão cotidiano
de tantas gerações? Quantas árvores devem ser sacrificadas? Quantos peixes – “bagres”,
no dizer de Lula – devem morrer? Quantos peixes devem deixar de nascer pela supressão das piracemas? Quantos locais históricos devem desaparecer? Quantas
áreas fertilizadas nas enchentes - que eram naturais - devem ser submersas? Quantos Mwh devem
deixar de ser consumidos na região que os produz para serem levados por milhares
de km para locais onde o aumento do “progresso” já não se faz necessário? Quantos
R$ bilhões em impostos devem ser gerados pela famigerada Lei Kandir nos locais de consumo e não nos de
produção de energia?
Quantas perguntas mais, pertinentes
ou “impertinentes” podem ser feitas? Mas acho que já chega. O/a leitor/a pode adicionar as suas próprias.
Barbaridade!
Os trabalhadores que pararam o progresso
Já era quase meio-dia quando o goiano Francisco Martins Corrêa chamou o amigo e
conterrâneo Paulo Henrique do Nascimento para
almoçar. Os dois trabalhavam desde as seis da manhã derrubando árvores em área
a ser alagada pela usina hidrelétrica de Jirau,
em Rondônia.
O sol estava escaldante, e Francisco tinha fome, queria parar. Paulo recebia um bônus ao final do mês por cada
hectare desmatado, queria continuar. “Só mais um”, disse. Francisco insistiu: “Para com isso, Paulinho. Bora lá comer”. Mas não conseguiu dissuadir o
amigo.
A caminho do refeitório, Francisco ouviu a árvore tombar seguida de um som
estranho: a motosserra pulava sozinha no chão. Gritou o nome do amigo. Nada.
Voltou correndo e encontrou Paulinho no
chão, com a árvore caída sobre o pescoço. Com o coração disparado, Francisco usou a motosserra do amigo para cortar a
árvore que o esmagava. Serrou de um lado, do outro e tirou o tronco de cima do
corpo. “Já tava morto, a árvore quebrou o espinhaço dele”, lembra, ainda
abalado.
A reportagem é de Ana Aranha e publicada no portal Agência Pública, 04-12-2012.
Paulo morreu
em setembro. Foi a quinta morte este ano em decorrência das obras das usinas de Jirau e Santo Antônio. As
duas hidrelétricas em construção no rio Madeira são
o carro-chefe do governo Dilma Rousseff para o aumento da geração de energia no
país.
Embora o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) faça
fiscalizações sistemáticas, as medidas de segurança são atropeladas pela pressa
em terminar logo as obras. É essa a percepção do auditor Juscelino José Santos,
da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Rondônia. Em ação fiscal
logo depois do acidente que matou Paulo, a primeira
ação da superintendência foi determinar o fim do sistema de pagamento por
produtividade. “Essa é uma atividade cansativa, que exige grande aporte
calórico. Ao se preocupar em produzir, o trabalhador se esquece de comer,
beber, ignora a câimbra”, diz o auditor.
Além da construção da barragem no
rio, o desmatamento é um dos setores que mais exige esforço físico e onde há
mais acidentes. A Energia Sustentável do Brasil,
consórcio de Jirau, terceiriza essas atividades a diversas empresas, entre elas
a Fox Minas Construtora, que contratou Francisco e Paulo.