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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Vidas em trânsito


Comentários/opinião
Veja-se esta matéria e a anterior. Elas se complementam. Todavia não representam o total das situações absurdas em termos sociais, infraestruturais, ambientais, econômicos e financeiros que estão espalhadas por este “nosso” Brasil afora.
Quanta barbaridade! Até quando?!?
Vidas em trânsito
“Quando cheguei aqui, achei triste, chorava toda noite. Essa poeira, as ruas sem asfalto. Eu trabalhava lavando louça, não lembro como fui pela primeira vez. Ele era estranho, levou pó pra cheirar no quarto, queria beijar na boca, transar de novo. Depois chorei. Se fosse na minha cidade, ia ter vergonha, nojo. Aqui é normal, quase todas as meninas fazem. Eu mudei, não sou a mesma mulher.”
Micheli (nome fictício) tem 20 anos. Há quatro meses, deixou sua cidade natal, no Pará, e desembarcou na vila de Jaci Paraná, distrito de Porto Velho, Rondônia. Encontrou trabalho e morada em um brega, nome local para bordel, onde começou ajudando na limpeza. Em duas semanas estava se prostituindo, como “quase todas as meninas”.
A reportagem é de Ana Aranha e publicada pela Agência Pública, 30-11-2012.
É impossível andar pelas ruas de Jaci e não topar com um brega. São bares abertos, às vezes com mesinhas de plástico espalhadas pela calçada. À noite, a música toca no último volume. Durante o dia, as mulheres que os frequentam andam pela vila de shorts curtos e barriga de fora.
Elas estão em Jaci para prestar serviço aos milhares de homens que entram e saem da vila em turnos, às 7 e às 17 horas. São os horários de entrada e saída da construção da usina hidrelétrica de Jirau, uma das maiores obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em curso no país. A usina cresce em torno de uma barragem no rio Madeira, no meio da floresta amazônica. A vila de Jaci é o núcleo urbano mais próximo, a 20 quilômetros.
A obra chegou a ter 25 mil funcionários no seu pico, mais que o dobro do que era previsto no plano inicial. Alguns trabalhadores se instalaram na vila, outros passam os dias de folga lá. O Ministério Público de Rondônia estima que a vila saltou de 4 mil para cerca de 16 mil habitantes desde 2009, quando a usina de Jirau começou a ser construída. Os trabalhadores carregam sotaques do Norte, Nordeste, Sul e Centro-Oeste do Brasil. Alguns ainda não dominam o português, como os haitianos e bolivianos.

Um rio em fúria


Comentários/opinião
Trata-se de uma das mais claras mortes anunciadas. E previsíveis; para quem quisesse prever, é claro.
Para início de entendimento da questão, sugiro “começar pelo começo...” E desconsiderar essa aparente redundância... Ou seja, começar pela causa-mãe ou causa-máter: a ganância desenfreada e sem limites. Ela precede qualquer questão econômica, técnica, social, ambiental etc., as quais são meras decorrências e consequências.
Para escondê-la (a ganância) e/ou justificá-la, vêm os chavões: a necessidade do “desenvolvimento” (sem dizer por que, para que, a quem interessa e quem se apropriará dele, ou seja, os já desenvolvidos); os “interesses nacionais” (e sabemos muito bem de que “nacionais” se trata); a obediência às “normas jurídicas” (e sabemos como, por que, por quem e para quem foram feitas); E assim por diante, para não ser exaustivo.
Agora, o leite está derramado e não tem como devolvê-lo ao úbere da vaca. E, portanto, como sempre, só nos resta chorar na cama, que é um lugar quente. Do contrário, teria de existir o fuzilamento dos vendilhões da Pátria, coisa que os tempos “modernos”, não o permitem. Que horror, ter coragem de dizer uma coisa absurda dessas... Será, mesmo?
Um rio em fúria
Dois dias antes do início dos testes na primeira turbina da hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia, o telefone tocou na casa da pescadora Maria Iêsa Reis Lima. “Vai começar”, avisou o amigo que trabalhava na construção da usina. Iêsa sentou na varanda e se pôs a observar as águas, esperando o que sabia ser uma mudança sem volta. “O rio Madeira tem um jeito perigoso, exige respeito. Os engenheiros dizem que têm toda a tecnologia, mas nada controla a reação desse rio.”
Semanas depois, no início de 2012, as águas que banham a capital Porto Velho começaram a ficar agitadas. As ondas cresciam a cada dia, cavando a margem e arrancando árvores. O deque do porto municipal se rompeu. O rio alcançou as casas, até que a primeira delas ruiu junto com o barranco para dentro das águas.
A reportagem é de Ana Aranha e publicada pela Agência Pública, 30-11-2012. Divulgada pelo IHU Notícias de 21-12-2012.
O prognóstico de Iêsa estava certo. O que ela não podia imaginar era a rapidez com que a resposta do rio à abertura das comportas alteraria o curso da sua vida, do seu bairro e da história de Porto Velho. As ondas atacaram o bairro Triângulo, primeiro a se formar na capital. O bairro leva esse nome por ser o local onde o trem da estrada de ferro Madeira-Mamoré fazia a curva para desabastecer. A casa de Iêsa ficava entre a margem do Madeira e os trilhos abandonados. Cerca de sete quilômetros abaixo da usina.
O rio engoliu ainda o marco Rondon, obelisco histórico mais antigo que o próprio estado. Construído em 1911 pela equipe do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, sertanista que rasgou a floresta para ligar a primeira linha telegráfica a conectar a Amazônia. Quando as ondas alcançaram o marco, alertas circularam em abundância por todos os meios de comunicação a que o mundo têm acesso. Mas a empresa Santo Antônio Energia, responsável pela usina, negava relação com o problema. Em duas semanas, as águas cavaram a base do obelisco e o arrastaram para o fundo do rio. Depois que ficou comprovada a responsabilidade da usina, a empresa tentou resgatar o obelisco, mas apenas dois blocos foram recuperados.