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domingo, 11 de março de 2012

O ensino superior sob ataque

Comentários/opinião
Está transcrito integralmente abaixo um artigo de Immanuel Wallerstein, publicado pelo jornal La Jornada, do México, em 10-03-2012.
A tradução inglês-espanhol para o La Jornada é de Ramón Vera Herrera e a tradução espanhol-português é de minha autoria.
Immanuel Wallerstein, 81, é um sociólogo norte-americano, conhecido pela sua contribuição para a criação de teoria do sistema-mundo, detentor de um vasto portifólio de obras publicadas, professor em várias universidades nos EUA e na Europa, tendo inclusive recebido o titulo de Doutor Onoris Causa pela Universidade de Brasilia, em 2009.
Critico ferrenho do sistema capitalista, é um dos poucos autores que se atreve a afirmar que o capitalismo está morrendo. Por isso, é um dos meus gurus favoritos...

Durante muito tempo, houve apenas algumas universidades em todo o mundo. O corpo discente total nessas instituições era muito reduzido. Esse pequeno grupo de estudantes vinha em grande medida das classes superiores. Estar em uma universidade conferia grande prestígio e refletia um grande privilégio.
O panorama começou a mudar radicalmente depois de 1945. O número de universidades começou a se expandir consideravelmente e a percentagem de pessoas na faixa etária que freqüentava a universidades começou a crescer. E mais, isto não foi meramente uma expansão naqueles países que já tinham universidades notáveis. Em um grande número de países que não tinham instituições ou não as tiveram antes de 1945, foi dado um grande impulso à educação universitária. O ensino superior tornou-se mundial.
A pressão para expandir veio de cima e de baixo. De cima, os governos sentiram uma grande necessidade de contar com graduados universitários para garantir a sua capacidade de competição nas tecnologias mais complexas necessárias para a expansão explosiva da economia mundial. E abaixo, grandes quantidades de estratos médios e até mesmo de estratos mais baixos das populações do mundo insistiram em que deviam ter acesso ao ensino superior para melhorar consideravelmente suas perspectivas econômicas e sociais.
A expansão das universidades, que foi notável em dimensão, tornou-se possível graças a enorme expansão ascendente da economia mundial após 1945, a maior na história do moderno sistema-mundo. Houve muito dinheiro disponível para as universidades que ficaram felizes em poder usá-lo.
Naturalmente, isso mudou em alguma medida os sistemas universitários. Individualmente, as universidades cresceram e começaram a perder a qualidade de intimidade que era proporcionada pelas menores estruturas. A composição de classe do corpo estudantil, e logo do professorado, evoluiu. Em muitos países, a expansão não só significou uma redução no monopólio de pessoas dos níveis mais altos, tais como alunos, professores e administradores, mas também com frequência significou que grupos minoritários e as mulheres começaram a ter maior acesso, o que antes lhes havia sido negado de modo total ou, pelo menos, parcialmente.
Este retrato positivo começou a ter dificuldades em torno da década de 1970. Por um lado, a economia mundial entrou em uma estagnação prolongada. E pouco a pouco, a quantidade de dinheiro que as universidades recebiam em grande proporção dos Estados começou a declinar. Ao mesmo tempo, os custos do ensino universitário começaram a crescer, e as pressões de baixo para que a expansão fosse contínua cresceu ainda com maior força. Desde então, a história é de duas curvas em direções opostas: menos dinheiro e maiores gastos.
No momento em que chegamos ao século 21, essa situação se tornou difícil. Como se ajeitaram as universidades? Uma maneira importante foi aquilo que veio a ser chamado de privatização. Quase todas as universidades antes de 1945, e inclusive antes de 1970, eram instituições do Estado. A única exceção significativa era os Estados Unidos, que contava com um grande número de instituições não estatais, a maioria das quais evoluíram a partir de instituições de base religiosa. Mas mesmo nessas instituições estadunidenses privadas, as universidades eram geridas com estruturas sem fins lucrativos.
O que a privatização passou a significar em todo o mundo foram várias coisas: uma, começou a haver instituições de ensino superior que se estabeleceram como negócios com fins lucrativos; outra, foi o fato das instituições públicas começarem a procurar e obter dinheiro de doadores corporativos, os quais começaram a se intrometer na gestão interna das universidades; terceira, as universidades começaram a buscar patentes para os trabalhos em que os seus pesquisadores haviam descoberto ou inventado algo e, como tal, passaram a ser operadores na economia, ou seja, tornaram-se parte do negócio.
Numa situação em que o dinheiro era escasso, ou pelo menos parecia escasso, as universidades começaram a se transformar em instituições semelhantes a empresas. Isso pode ser entendido de duas maneiras importantes: os mais altos postos administrativos nas universidades e suas faculdades, que tradicionalmente eram ocupadas por acadêmicos, começaram a ser ocupados por pessoas cuja formação era administração e não a vida universitária e, já que  estavam conseguindo dinheiro, também começaram a estabelecer os critérios também para uma auto-atribuição.
Começaram a haver avaliações de universidades por inteiro e de departamentos dentro das universidades, em termos de produtos em relação ao dinheiro investido. Isto podia ser medido em quantos estudantes desejavam empreender estudos particulares, ou o tanto que era reconhecida a produção de pesquisa de determinadas universidades ou departamentos. A vida intelectual começou a ser julgada com critérios pseudo-mercantis. Mesmo o recrutamento de estudantes se media em termos de quanto dinheiro entrava com os métodos alternativos de recrutamento.
Como se isso não bastasse, as universidades começaram a sofrer ataques de uma corrente de extrema direita anti-intelectual que via as universidades como instituições laicas e anti-religiosas. A universidade como instituição crítica - crítica dos grupos dominantes e das ideologias dominantes - sempre enfrentou a relutância e a repressão dos Estados e das elites. Mas os seus poderes de sobrevivência sempre estiveram baseados na sua relativa autonomia financeira, de acordo com o custo real de operação. Isto era a universidade de ontem; não a de hoje ou a de amanhã.
Pode-se descrever isso como outro exemplo a mais do caos global em que estamos vivemos. A menos que se suponha que as universidades desempenharam apenas o papel de ser um locus importante (claro que não o único) de análise das realidades do nosso sistema-mundo. São estas analises que podem tornar possível navegar na caótica transição para uma nova ordem mundial, que esperamos seja melhor. 
No momento, os distúrbios no interior do ensino parecem não ser mais fácil de resolver do que os distúrbios na economia mundial. E se presta a ele muito menos atenção.

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