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sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Primárias irrelevantes

Por Atílio Boron – Cientista político argentino
Publicação do jornal Página/12 – 05/01/2012
Tradução de Luiz Carlos Correa Soares
Nos últimos dias apareceram duas magníficas notas que dão conta daquilo que em trabalhos anteriores tínhamos qualificado como "decomposição moral" do Império. Em uma delas, Juan G. Tokatlian (El País, 2 de janeiro de 2012) fala do acelerada e irreversível avanço da "pós-legalidade", vocábulo adequado para se referir à descarada apelação a metodologias e formas de ação completamente em desacordo com a própria legalidade estadunidense por parte da Casa Branca.
Deste modo, o indigno Nobel da Paz que se senta no Gabinete Oval da Casa Branca ordena crimes e assassinatos de cidadãos estrangeiros e norte-americanos, envia aviões não tripulados - "drones" - para massacrar populações  indefessas sem pagar qualquer custo, ante uma opinião pública estupidizada pela indústria cultural do capitalismo. Enquanto isso, passo a passo, vai reduzindo liberdades públicas estabelecidas pela Constituição dos Estados Unidos, as quais desde Ronald Reagan até aqui vêm se convertendo em letra morta. 
Nesta mesma linha, Juan Gelman publicou na edição de 2 de janeiro deste Jornal [Página/12] uma nota onde demonstra que o "progressista" Barack Obama já ultrapassou o recorde de seu infeliz antecessor em matéria de atropelos aos padrões de justiça e de direitos humanos. Apesar de suas ardentes promessas de campanha, não fechou Guantánamo; retirou parte das tropas estacionadas no Iraque - se bem que deixando um bom número de "assessores" -, mas continuou a guerra no Afeganistão e estendeu as hostilidades ao Paquistão; nos bastidores da OTAN foi o ator principal na tragédia da Líbia, conforme foi reconhecido pelo The New York Times.
Se G. W. Bush inventou o resgate dos bancos, seu sucessor aprofundou esta política. Se aquele havia escrito o rascunho do Tratado EUA - Colômbia, que autoriza o uso de bases militares (até agora sete) nesse país sul-americano, foi Obama quem ratificou o acordo, colocando sua assinatura junto a um personagem sinistro como Álvaro Uribe. Em matéria de economia, as políticas de resgate econômico de delinquentes de colarinho branco e ternos Armani que pululam em Wall Street - resgate feito em detrimento dos devedores de hipotecas – prosseguiram seu curso triturando as ilusões do "American dream": já existem dois milhões de famílias jogadas na rua e se estima que sejam cinco milhões nos próximos dois ou três anos. 
Tendo em vista esses antecedentes, a quem importa as primárias republicanas de Iowa? Quais são as razões pelas quais a imprensa mundial outorga tanta importância a um rito midiático como esse, carente de qualquer transcendência? Para não falar das declarações dos candidatos republicanos, as mais retrógradas e reacionárias.
Reflexões estas que se poderiam estender, sem qualquer risco, para a própria eleição presidencial dos Estados Unidos. Porque, como dizem alguns dos (poucos) cientistas políticos críticos que existem naquele país: a que vem tanto ruído se o “governo permanente", que realmente detém as rédeas do poder em suas mãos, o complexo militar-industrial e seus aliados, estão fora do alcance do eleitorado?
Não importa quem o povo eleja nem o mandato que outorgue ao candidato eleito porque aqueles que realmente mandam é que sabem o que é bom para Estados Unidos e o que se tem de fazer. E, para os eleitores, o veredito das urnas resulta absolutamente irrelevante.

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